domingo, 31 de agosto de 2014

Escalando o Lenin Peak (7.134m), no Quirguistão!

Cume do Lenin Peak, 19 de julho de 2013. 7.134m.

Faaaala pessoal, tudo bem?

Depois de um bom tempo prometendo até que enfim vai sair este relato!

No começo de 2013 estava muito disposto a escalar uma montanha de altitude, resquício da minha experiência do Monte Aconcágua, que apesar de eu não ter feito o cume acabou me deixando o sabor gostoso da alta montanha e do visual que só é possível ver neste tipo de ambiente.

Diante disso, em fevereiro de 2013 eu acabei em uma conversa informal com colegas montanhistas sugerindo a escalada de uma montanha acima de 7 mil metros e que estivesse em um local pouco explorado por brasileiros.



Comecei então a pesquisar algumas montanhas que poderiam ser interessantes e entre elas achei as montanhas que pertenciam ao chamando Prêmio Leopardo das Neves. Elas são cinco: Communism Peak (7.495 m), Peak Korzhenevskaya (7.105 m), Lenin Peak (7.134 m), Peak Pobeda (7.439 m) e Khan Tengri (7.010 m).

Esse prêmio era uma concessão do Clube Alpino de Moscou para aqueles que escalassem os cinco pincos com mais de 7 mil metros que existiam no território na antiga União Sovíética, prêmio este que é concedido até os dias atuais.

Estudei então com um pouco mais de profundidade cada um destes picos e após analisa-los entendi que o mais interessante, seja pelo acesso e pela facilidade técnica seria o Lenin Peak, com 7.134m, na fronteira entre o Quirgsuitão e o Tadjiquistão, na Ásia Central. Como ainda sou um neófito em alta montanha a idéia seria não forçar a barra demais. Ainda sim o Lenin Peak se mostraria uma montanha dura, com um glaciar a ser transposto, além da altitude, que combinada com a latitude da montanha implica numa aclimatação nem sempre barata.

Essa região foi pouquíssimo explorada por brasileiros e sul-americanos, geralmente mais preocupados com as escaladas andinas, sendo que encontrei somente registro de dois brasileiros que haviam escalado o Lenin Peak até então: os famosos alpinistas brasileiros Waldemar Niclewicz e Irivan Burda, ambos "oitomilitas" que o haviam escalado na temporada de 2009.

Diante da decisão de qual montanha escalar, veio mais uma vez um item sempre custoso em resolver: quem poderia chamar para escalar comigo? O Davi estaria impossibilitado e nem sempre bons amigos para uma escalade em rocha servem para uma expedição como essa. Aqui é preferível uma pessoa com grande afinidade pessoal do que um superstar de preparo físico ou técnico. Com isso decidi chamar dois grandes amigos do CAP: Paulo Chagas e Wagner Diniz. Ambos toparam de prima!

Começamos então a montar nosso planejamento estabelecendo as datas mais oportunas e que poderiam casar, bem como iniciamos os estudos logísticos de como chegar lá. Nesse meio tempo o Paulo Chagas acabou desistindo por conta da gravidez de sua esposa e prosseguimos então eu e o Wagner.

Estudamos os principais meios de acesso, uma vez que o Brasil nem têm vôos diretos para o Quirguistão e ficamos entre duas possibilidades: via Rússia ou via Turquia. Em ambos os casos, ao chegar em Moscou ou Istambul teríamos ainda que solucionar a questão dos vistos, já que além de não ter vôos direto o Brasil não mantém relações diplomáticas com o Quirguistão.

Após analisar custos decidimos então pela Turquia, já que o custo de passagem aéreo seria um pouco mais barato.

Continuamos então com o planejamento da escalada, como comida, equipamentos, roupas e tudo mais, porém já bem próximo de nossa partida o Wagner acabou desistindo igualmente, motivado por razões pessoais o que me deixou numa situação delicada: cancelar a expedição ou prosseguir em solitário, já que não cogitava a idéia da contratação de um guia. Por fim, após analisar as possibilidade e riscos decidi por prosseguir na viagem. Isso ocorreu quando faltavam em torno de 30-45 dias para a viagem.

No roteiro programado, iria pegar o visto no consulado-geral quirguiz em Istambul e seguir diretamente para a cidade de Osh, não sendo obrigado a fazer o trecho Bishkek-Osh, ganhando assim alguns dias. Em outro caso teria que ir até Bishkek, capital do Quirguistão para conseguir o visto no Aeroporto. O aeroporto de Osh não dispõe de serviço de imigração e por isso é necessário chegar lá com o visto obtido no país de origem.

Tudo programado, era hora de partir: assim saía de guarulhos as 03h05 da manhã do dia 26 de junho, com chegada em Istambul na noite do mesmo dia. Fui direto para o hostel que havia reservado e no outro dia já começava os trâmites no consulado quirguiz. No mesmo dia ficou pronto e com a finalização da compras dos equipamentos (a Turquia têm preços muito melhores do que o Brasil) ganhei um dia em Istambul para fazer turismo. Para aqueles que estiverem em Istambul e tenham interesse em comprar equipamentos de montanhismo, escalada sugiro as lojas listadas neste site: http://www.myturkishadventure.com/istanbul-outdoors-equipment-shops.html. Eu fui na Adrenalin (Necatibey Cad. Gayret Han No:53/A Karaköy) e encontrei muita variedade. Vale a pena chorar desconto. Isso faz parte da cultura local e consegui uns 20-30% na maior parte do material.

No dia 29 então eu partia para Osh, embarcando no Aeroporto Internacional de Istambul (Ataturk) no final da tarde chegando no meu destino pela madrugada.

Torre de Galata, Istambul.

Istambul.

Pescadores sobre o Bósforo, em Istambul.

Conhecendo a Hagia Sofia, em Istambul.

Cisterna da Basílica, em Istambul.

A famosa Mesquita Azul. Istambul.

O Palácio de Topikapi, antiga sede do império otomano. Istambul.

Os doces!

Hora do embarque para a Ásia Central.

Chegando lá aconteceu o primeiro imprevisto da viagem. Havia pedido para o pessoal de uma operadora de turismo de aventura que trabalha em Osh, me pegar no aeroporto e levar até um hotel, porém não apareceu ninguém o que me fez pegar um veículo e seguir para um albergue. Eu ainda estava ressabiado pois algum tempo antes ocorria no Paquistão um violento atentado contra montanhistas no campo-base do Nanga Parbat, e onde eu estava era um país próximo. Com isso estava em estado de alerta para qualquer coisa.

Por fim, cheguei no albergue, que nada mais era que um antigo apartamento da era soviética transformado. Esse apartamento ficava no meio de um grande conjunto residencial tipicamente comunista e em estado deplorável. No mais o albergue era bem interessante, com internet em um velho computador, o "staff" falava um pouco de inglês e as únicas restrições eram ligadas ao fato de que pela religião do proprietário do albergue não era permitida carne de porco, bebida alcoólica e toda a permanência no interior do albergue deveria ser feita sem calçados.

No dia seguinte a operadora fez contato comigo, pedindo desculpas e oferecendo um hotel melhor, que recusei por já estar instalado no albergue, sem contar a economia que isso me causaria. Além disso também ofereceram voar para o campo-base de helicóptero, que sairia no dia seguinte, porém recusei novamente pois ainda teria que acertar toda a minha parte de comida e etc.

Saí então para providenciar o que faltava: comida, combustível e outros itens, jantei e logo voltei para descansar. Lá ainda pude conversar com o pessoal que estava viajando: três franceses, alguns israelenses e uma chinesa.

Diante disso fui fazer uma rápida visita à cidade e seus principais pontos turísticos, como a Estátua de Lenin (uma das poucas ainda de pé), o Bazaar (espécie de feira gigante) e algumas outras coisas. A noite saí com o pessoal para tomar uma Piva (cerveja) e comer um Mantê (macarrão parecido com o nosso capeletti).

No dia 02 de julho, pela manhã, passava no meu albergue o micro-ônibus que me levaria até o campo-base do Lenin, em uma viagem de aproximadamente 5 horas, cruzando as planícies que um dia formaram a famosa rota da seda. Durante este trajeto pude observar os famosos Yurt (espécie de cabana típica da região) pela primeira vez. O ambiente que fica entre o Pamir e Osh é montanhoso e desértico, formado por alguns cânions alternando com trechos planos. No final, antes de chegar no pé da cordilheira vêm um largo trecho plano. Já o campo-base é um tanto tranquilo. Uma grande área de turfa (espécie de grama não plantada) que possui um rio de água de degelo e dois grandes acampamentos. A altitude aqui é de 3.500 metros.

Vale a pena dizer que a logística da escalada é dominada pela operadoras e existe um certo trâmite burocrático para a escalada, que compreende: obtenção de permissão de estadia em região fronteiriça e o registro junto a equipe de resgate. Conversando com um grupo de americanos no campo-base eles me disseram que precisaram de um mês para conseguir desenrolar estes papéis por conta própria. Além disso consegui um rádio e uma barraca no campo-base e no campo 1, também reconhecido como campo-base avançado. O resto seria comigo.

Osh, Quiriguistão.

Almoço quirguiz.

Chegando no Pamir, com um Yurt no visual.


Operadora utilizada: http://www.ak-sai.com/

A partir de agora irei escrever o dia após dia com as datas e uma breve descrição! Vamos lá!

Dia 03 de julho de 2013: após a chegada no dia anterior, esse foi de descanso e aclimatação.

Dia 04 de julho de 2013: fiz a ascensão do Pik Petrovskogo, com 4.800m. Foi uma escalada em solitário, e que deu muito mais trabalho do que eu imaginava. Porém consegui fazer o cume e cheguei de volta no campo-base no final da tarde. Durante a escalada fiquei literalmente entalado na neve fofa por duas vezes, sendo obrigado a parar para cavar a neve afim de tirar meus próprios pés.

Dia 05 de julho de 2013: descanso, por conta do Pik Petrovskogo.

Dia 06 de julho de 2013: descanso, por conta do Pik Petrovskogo.

Dia 07 de julho de 2013: neste dia fiz um porteio até o campo 1, dormindo lá duas noites para reforçar a aclimatação. A altitude no campo 1 é de 4.400m.

Dia 08 de julho de 2013: descanso no campo 1. Na noite de 07 para 08 passei muito mal, tendo sentido febre e vomitado na barraca. No outro dia fiquei de "molho" até a minha recuperação. Ainda dormi mais uma noite, que foi bem melhor.

Dia 09 de julho de 2013: Descida ao campo-base para recuperação.

Dia 10 de julho de 2013: Dia de descanso.

Dia 11 de julho de 2013: Retorno ao campo 2, agora em definitivo.

Dia 12 de julho de 2013: Mais um dia de descanso e aclimatação na montanha.

Dia 13 de julho de 2013: Fiz a primeira subida ao campo 2, com a primeira travessia do glaciar Lênin. Chegando no campo 2, já bem cansado montei minha barraca, cozinhei e fui dormir. O campo 2 está situado na borda da face noroeste do Pik Rasdelnaya, com 5.300m de altitude. Nesse dia houve uma polonesa com HAPE (High Altitude Pulmonar Edema), sendo arrastada de lá para o campo 1 com auxílio de alguns guias locais e seus parceiros de escalada.

Dia 14 de julho de 2013: Fiz um bate-volta no campo 3. O tempo estava muito ruim e não tinha ninguém saindo das barracas. Comecei a subida em companhia de um guia russo e um italiano, porém eles desistiram no meio do caminho. Ainda assim continuei até o campo 3, por sorte de um grupo de tchecos que lá estavam. Já no meio de uma nevasca moderada eles não sabiam o caminho de volta e um de seus amigos estava de princípio de congelamento nos dedos do pé e mãos e também em estado de fadiga. Eles haviam subido por um caminho diferente do usual e haviam acampado após o campo 3 e na descida acharam o campo 3, porém no meio da nevasca não conseguiam ter referências para o restante da descida. Guiei-os até o campo 2, levando por um bom trecho e minha mochila e a mochila do tcheco que estava com quadro de fadiga. Depois disso permaneci no campo 2, enquanto que eles terminaram de descer para o campo 1.

Dia 15 de julho de 2013: Desci para o acampamento 1, para descansar. Nessa altura a montanha já começava a a se preparar para as primeiras ascensões com um pouco de diminuição da neve, mesmo ainda tendo muita. De acordo com os guias locais a concentração era recorde se comparada aos dez anos anteriores.

Dia 16 de julho de 2013: Descanso, no campo 1.

Dia 17 de julho de 2013: Já sabendo que o tempo permitia ascensões fiz a subida para o campo 2, onde minha barraca havia sido deixada montada.

Dia 18 de julho de 2013: Optei por não levar duas barracas, então desmontei a barraca do campo 2 e subi para o campo 3 (situado a 6.100m de altitude) onde a remontei, cozinhei e fui dormir para atacar no dia seguinte o cume.

Dia 19 de julho de 2013: Levantei as 03h30, tomei café e parti rumo ao cume. O dia do ataque ao cume é puxado. Apesar do desnível não ser tão grande (em torno de 1.000m), o trecho de caminhada é enorme já que a pendente é pequena, com exceção de um trecho conhecido como "knife" que chega aos 50º. Atingi o cume as 11h40, curti um pouco, tirei algumas fotos e fiz alguns vídeos e cheguei de volta ao campo 3 por volta das 15h30. Durante a subida passei muitos escaladores pelo caminho e posso dizer que tive um bom aproveitamento.

Dia 20 de julho de 2013: Saí do campo 3 indo diretamente ao campo-base, numa tacada que durou o dia todo e me custou algumas bolhas no pé. Mas valeu a pena, pois o conforto do oxigênio não tem preço.

Dia 21 de julho de 2013: Descansei o dia todo e esperei para pegar o micro-ônibus que nos levaria até Osh. Chegamos lá pela noite e fomos direto para um hotel, confortável. Descansei numa cama de verdade e aí sim veio o primeiro sentimento de vitória! Havia por fim concluído a expedição ao Lenin Peak, e trazia pra casa a lembrança de um cume frio e com muito vento e claro, com uma beleza indescritível.

Barraca no campo-base.

Visual geral do Lenin Peak.

Cume do Petrovskogo, com a flâmula do Posto de Bombeiros da Casa Verde.

Dificuldade linguística.

Campo-base depois de uma noite com neve.

Campo 1, e seu cenário.

Minha barraca no campo 2.

Acampamento de emergência que me deparei numa descida ao campo 1.

Gretas do glaciar Lenin.

Gretas do glaciar Lenin.

Gretas do glaciar Lenin.

Minha casa por quase 20 dias.

Auto-retrato no dia do ataque ao cume.

Cume!

No cume, com uma homenagem aos meus parceiros de profissão!

Fazer amizades é sempre um objetivo!

Hora de ir embora!


No dia seguinte decidi tentar abreviar meu retorno para a Turquia e para o Brasil. A volta pra Turquia estava marcada para a noite de 25 de julho, então teria que ficar em Osh por pelo menos quatro dias, ocioso. Consegui remarcar para o dia 23 de julho as 04h00, chegando em Istambul as 06h40. Não lembro do valor, porém não foi muito. algo em torno de 400 reais. Para o Brasil seria impossível então ficaria em Istambul os dias 23, 24 e 25, partindo de volta no dia 26 pela manhã.

Aproveitei para conhecer um pouco mais de Istambul, comi umas pizzas e descansei bastante!

No dia 26 pela manhã chegava em São Paulo, onde a Simone me aguardava, pra assim a gente matar a saudade!

Em linhas gerais a viagem foi produtiva tantos no aspecto da montanha como no aspecto cultural. Aprendi muito em diversos setores, e fazer uma montanha de mais de 7 mil com certeza lhe amplia os horizontes. Se falar que hoje tenho desejo de escalar uma montanha ainda mais alta, com oito mil metros isso seria verdade. E vamos que vamos!




Para aqueles que desejarem melhores informações sobre essa viagem entrem em contato comigo! Essa é uma viagem que recomendo a todos! Fiz um vídeo que acho que ficou muito legal e espero que gostem. Espero que gostem das fotos, igualmente.

Grande abraço a todos!

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