segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Escalando o Monte Aconcágua (6.962m), Argentina! (tentativa)

David Henrique com o Monte Aconcágua ao fundo.

Fala pessoal!

Voltei ao blog desta vez para falar um pouco sobre a minha tentativa de escalar o Monte Aconcágua na Argentina, em 2012.

Apesar de ter começado a minha trilha no montanhismo na escalada em rocha eu nunca escondi minha paixão pela alta montanha. Por mais que a escalada em rocha seja uma atividade tecnicamente mais complexa, uma vez que existe a necessidade de trabalhar com corda, com técnicas verticais, a beleza proporcionada pela alta montanha bem como a existência do risco sempre foram fatores empolgantes nas montanhas com cumes elevados, ainda que a escalada fosse, tecnicamente, mais fácil (embora fisiologicamente, não).

Diante disso, em 2012 coloquei como uma das minhas metas experimentar pela primeira vez a alta montanha e como "campo de prova" a mais conhecida montanha dos Andes: o Monte Aconcágua, com seus 6.962 metros.

O Monte Aconcágua, cravado próximo à fronteira entre a Argentina e o Chile (está na Argentina) é a mais alta montanha das Américas e a mais alta montanha do mundo se desconsiderarmos o Himalaia. Ou seja, não existe montanha mais alta na África, Europa e Oceania.

Ela possui diversas vias de escalada, com variadas dificuldades e faces. A face mais famosa, pela sua dificuldade, é a sul, que já deixou diversas vítimas. A mais acessada é a face noroeste por onde corre a rota normal. Claro que essa foi minha escolha ainda que eu tenha cogitado a "Polish Direct", uma via mais difícil, mas ainda sim nada fora do normal e que percorre a face nordeste da montanha, com aproximação por Vallecitos.

Infelizmente por questões logísticas não teria condições de escalar a montanha nos melhores meses, que são geralmente janeiro e fevereiro, me sobrando apenas março que já é mês fora da temporada, com condições climáticas não tão boas, mas enfim, era o que tínhamos.

Por fim faltava decidir um bom parceiro de escalada e com isso chamei o meu amigão David Henrique, excelente montanhista com larga experiência em escalada em rocha e em escalada de alta montanha. Com tudo alinhado e colhendo experiências com outros montanhistas amigos e que já haviam estado na montanha no dia 06 de março pegávamos nosso avião para Mendoza (com escala em Buenos Aires), sendo que chegando lá já nos instalamos no hotel, fizemos a compra de nossa comida e de alguma outra necessidade, acertamos os "permissos" de escalada e no dia seguinte pegávamos o ônibus para "Puente del Inca", nosso ponto de acesso ao Parque. Vale dizer que os "permissos" necessitam da presença dos escaladores em Mendoza, então não tem muito jeito quem pensa em pedir isso pra alguém.

Chegando em Puente del Inca despachamos nossa comida e parte do equipo nas mulas (duas marinheiras com comida pra quase quinze dias, além de outros equipos), porém não conseguimos entrar no Parque pois acabamos chegando muito tarde e existia uma limitação de horário (que eu não me recordo agora). Achamos então um albergue próximo, onde dormimos e no dia seguinte entramo no Parque.

"Permissos" na mão!

Última noite antes de entrar no Parque.

Na nossa entrada fomos ao centro de visitantes, onde fomo informados a respeito das regras do local bem como algumas outras recomendações, tais como questões médicas, itinerários, fomos perguntados a respeito de nossa experiência, entre outras coisas e logo depois começávamos nossa caminhada até o primeiro ponto de descanso: Confluencia.

Confluencia é um pequeno acampamento cravado à 3.200 metros de altitude pouco antes da grande caminhada que leva ao real acampamento-base do Monte Aconcágua: Plaza de Mulas. A caminha desde a entrada do Parque até Confluencia não é grande, sendo que demoramos em torno de 3 horas para percorrê-lo.

No dia seguinte caminhamos até o acampamento-base: Plaza de Mulas, localizado a aproximadamente 4.200 metros de altitude. Esse dia foi um pouco mais extenuante, já que apesar de se caminhar quase que o tempo todo em um terreno plano ele é bem comprido, com um forte ganho de altitude no final. Além disso os Andes centrais é bastante seco, o que também ajuda a causar uma desidratação. Chegamos no final do dia, armamos nossa barraca e fomos dormir.

No outro dia, decidimos descansar um pouco em face do cansaço do dia anterior, tomando apenas pequenas caminhadas e curtindo o acampamento-base, que estava abandonado a nós mesmos, já que quase não havia mais montanhistas por lá.

Por fim, no dia 11, após um dia de descanso resolvemos subir até o chamado "Camp Canada", localizado a 5.050 metros, que estava sem ninguém. Deixamos suprimentos, uma barraca semi-armada e descemos para Plaza de Mulas. Aqui vale dizer que nossa estratégia seria a do conservadorismo com relação a aclimatação, já que eu, praticamente sem experiência prévia, bem como o David, já algum tempo sem escalar em alta montanha, não sabíamos como nossos organismos iriam reagir. Por isso decidimos usar Camp Canada e fazer porteios de aclimatação aos campos superiores. Muitos escaladores pulam "Canada" e vão direto para "Nido de Condores".

No dia seguinte (12) avançávamos para Camp Canada em definitivo. Chegamos cedo e com isso fizemos uma parte do caminho até "Nido de Condores", como reconhecimento e como fator de aclimatação. Por ora as condições climáticas ajudavam.

Já no dia 13, contando com uma boa aclimatação e com a pequena diferença de altitude para "Nido de Condores", que está a 5.600m, decidimos nos mudar em uma só tacada para lá, chegando por volta das 18h, quando montamos nossa barraca, cozinhamos e curtimos um pouco o visual. Assim como em todo o percurso, Nido também tinha pouquíssimas pessoas, com no máximo 5 ou 6 barracas além da Patrulla de Rescate, que estava em seu trailer.

No dia seguinte (14) descansamos e deixamos o corpo dar uma aclimatada. Nesse dia o David aproveitou para me ensinar vários macetes de alta montanha, que seriam úteis mais tarde (em outras expedições).

David caminhando para "Confluencia".

"Confluencia" as moscas.

Caminhando para Plaza de Mulas.

"Plaza de Mulas" com neve do dia anterior.

"Plaza de Mulas" sendo literalmente desmontada.

"Plaza de Mulas" sendo literalmente desmontada.

David subindo para "Camp Canada" (5.050m).

Eu, subindo para "Camp Canada" (5.050m).

Eu, subindo para "Camp Canada" (5.050m).

David cozinhando em "Camp Canada" (5.050m).

Visual de nossa barraca em "Camp Canada" (5.050m).

Tarefas de cozinha em "Nido de Condores" (5.600m).

Visual inesquecível. Um céu limpo visto do meio dos Andes.

Dia 15 fizemos uma aclimatação até "Camp Berlim" (5.900m), com um dia tranquilo. Esse acampamento recebe esse nome por conta da doação dos pequenos abrigos que lá estão. Uma doação de uma expedição alemã para o Parque. Descemos então até Nido de Condores para então receber a notícias da Patrulla de Rescate que o tempo mudaria e ficaria ruim por até uma semana. Neste momento ninguém mais além de nós e de uma dupla de belgas tinha intenções de escalar o Aconcágua, e além disso já estávamos oficialmente fora de temporada (havia se encerrado no dia anterior, 14), que implicaria na falta de médicos e helicópteros para um resgate, caso necessário.

Diante disso eu e o David decidimos subir pra Berlim no dia seguinte (leves), repousar em algum dos abrigos vazios e no dia seguinte atacar o cume. Com isso, no dia 16 subíamos ao "Camp Berlim" e lá encontrávamos os belgas que tinham decidido usar a mesma estratégia. Cozinhamos e fomos dormir, já com temperaturas muito baixas, girando em torno de -12 a até -18ºC.

No dia 17, dia de ataque ao cume, levantamos de madrugada, com -20ºC de temperatura e partimos. Caminhamos durante parte da noite entrando em parte do dia. O frio era intenso e o vento era causticante. Assim como nós os belgas partiam para o cume, porém próximo da cota 6.000+200 eles acabaram desistindo e voltaram para "Camp Berlim". Nesse momento eu e o David éramos os únicos a escalar a montanha, considerando todo o maciço e todas as rotas, já que de acordo com a "Patrulla de Rescate" não estavam acontecendo tentativas nas demais faces.

Naquele momento, sob temperaturas de -17ºC e ventos de 60km/h a sensação térmica atingia -34ºC, o que significava um alto risco de hiportermia e de "frostbite" (queimadura por frio, veja a tabela abaixo).



Ainda continuamos escalando a montanha, sendo que depois de eu desgarrar um pouco do David cheguei ao chamado "Camp Independencia" (6.400m), onde decidi esperar o Davi. Como o abrigo está parcialmente destruído, sem teto, me deitei no chão para tentar evitar as rajadas de vento, ao mesmo tempo que me hidratava. Ali os ventos ficaram ainda mais fortes, sendo que após 40 minutos de espera e vendo que a escalada não poderia render o cume, em face das condições climáticas severas, decidi por descer até o Davi e consultá-lo sobre nossa descida para Berlim para aguardar uma melhora para o dia seguinte ou quem sabe para dois dias a frente.

Assim feito e com a concordância do David voltamos para Camp Berlim, onde de posse de um rádio mantínhamos contato com a "Patrulla de Rescate", que nos passava previsões de tempo. Já na noite do dia 17 sabíamos que no dia 18 não seria possível o ataque ao cume, sendo que na noite do dia 18 a "Patrulla de Rescate" nos informava como impossível o ataque ao cume no dia 19.

Diante disso resolvemos recuar para "Nido de Condores" no dia 19 e após mais uma notícia de tempo ruim resolvemos recuar para "Plaza de Mulas". Ali sabíamos que nossa tentativa de cume havia fracassado.

Para não ficar batido decidimos escalar no dia 20 o Cerro Boñete, com 5.050m, com partida diretamente de "Plaza de Mulas", escalada completada com sucesso e sem percalços.

Assim no dia 21 fazíamos nosso retorno até Confluencia (despachando nosso resto de comida e bagagem pelas Mulas) e no dia 22 pela manhã chegávamos a "Puente del Inca" retornando para Mendoza. No dia 23 partia nosso vôo para São Paulo.

Apesar do insucesso em atingir o cume esta viagem foi um grande aprendizado para mim, seja em questões de entendimento do meu próprio corpo quando exposto as condições de alta montanha, seja nos macetes que envolvem a escalada em alta montanha, seja em saber conviver com uma pessoa tanto tempo e em condições tão adversas. Tenho certeza que isso só foi possível em face da amizade que eu e o David temos. Só tenho a agradecer os ensinamentos do David e dizer que esta foi uma viagem inesquecível. O companheirismo da alta montanha é único.

Grande abraço a todos!

Eu, cozinhando em "Nido de Condores" (5.600m).

"Camp Berlim" (5.900m). 15 de março de 2012.

Na véspera do ataque ao cume. Matthieu Brouyaux e David ao fundo. "Camp Berlim" (5.900m).

Nossa tentativa de cume. 17 de março de 2012, já há três dias com a temporada encerrada.

Eu e o Davizão escalando o Cerro Bonete (5.050m).





Eu, no cume do "Cerro Bonete" (5.050m). Uma pequena homenagem à PMESP e ao Corpo de Bombeiros.


Eu e Davizão. Nossa última foto em "Plaza de Mulas". 21 de março de 2012.

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