segunda-feira, 25 de agosto de 2014

OPINIÃO: Porque o escalador brasileiro é avesso à técnica?



Fala pessoal,

Diferente da linha geral do meu blog que é a divulgação de projetos pessoais e de notícias ligadas ao mundo do montanhismo, hoje irei colocar um artigo sobre algo que sempre me chamou a atenção: a aversão do escalador brasileiro ao conhecimento e à técnica. Porque isso ocorre? Vamos ver...



Bom... primeiro entendam que o que eu estou escrevendo é a minha impressão pessoal, baseada sobretudo nas minhas experiências no mundo da escalada e no mundo do montanhismo...

Geralmente uma pessoa começa sua "carreira" no montanhismo de duas maneiras: ou através de um curso em um clube ou através de uma amizade que o leva para um ginásio de escalada ou para a rocha.

Na primeira opção o "aspirante" a montanhista vai realizar o chamado Curso Básico de Montanhismo (CBM) e depois vai continuar sua "carreira" com os amigos, sendo que 95% nunca mais irá realizar um curso sequer na área. Ainda sim, essas pessoas são aquelas que detém uma conhecimento minimamente razoável para a prática do esporte. A outra parte, aquelas que começam em um ginásio de escalada ou com amigos e que representam a esmagadora maioria das pessoas (diria 80% do total, ou mais), vão passar sua vida inteira do montanhismo sem fazer um curso sequer na área. E o que isso implica e porque isso acontece?

Bom, isso acontece porque o escalador geralmente após algum tempo de prática no esporte, passa a entender que já domina todo o conhecimento necessário para sua execução. Muitos confundem estar escalando um grau forte com ser bom em técnicas verticais. Uma falsa verdade. Já vi escaladores de 8º grau que não sabiam como rapelar em um nó UIAA ou que sequer sabiam como explicar o funcionamento de um triângulo de equalização, com suas peculiaridades. Verdade seria eu dizer que apesar da natureza de nosso esporte, espeleologistas ou canionistas são muito mais técnicos que nós quando o assunto é corda.

Nosso esporte tem um grande problema que é a questão de afirmação da autoridade através da negação dos cursos, ou seja, muitas pessoas mesmo sabendo de suas limitações não fazem cursos porque entendem que já sabem tudo (quando não sabem nada) ou não querem dar demonstração pública para seus amigos de que ainda têm que aprender algo. Talvez pensem que fazer um curso seja desmerecedor.

Lá fora é completamente diferente. É comum vermos escaladores experientes fazendo cursos de reciclagem e cursos de especialização, até porque existe o entendimento que quanto mais cursos se têm maior é a autonomia.

Outro efeito aqui no Brasil com esse pensamento é a limitação do nosso montanhismo, pois muitos escaladores com grande potencial acabam se limitando a escaladas sem grande projeção, porque internamente entendem não estarem aptos para ela (e aqueles que erroneamente entendem estarem aptos acabam gerando incidentes/acidentes). Um exemplo disso são as montanhas na patagônia, como o Fitz Roy ou outras naquela área. Pelo número de montanhistas que temos deveríamos ter um número muito maior de ascensões, porém a maioria esmagadora dos montanhistas brasileiros não se julga em condições para escalar lá. Antes isso do que acidentes. Esse sentimento de inaptidão poderia ser vencido com cursos. Claro que a experiência prática será sempre obrigatória, mas o que percebo é que só a experiência prática não é suficiente para criar um sentimento interno de preparo.

Isso acontece porque no Brasil ainda sofremos com um mal que é a falta de autoestima. Isso é mais recorrente na escalada em alta montanha. Embora muitos escaladores brasileiros estejam física e fisiologicamente aptos para este tipo de escalada, ao primeiro sinal de sofrimento, desistem. E a média de desistências que vejo entre os brasileiros e estrangeiros é desproporcional. Não estou falando que devemos ser "kamikazes" na montanha, não é isso. Mas devemos estar preparados tecnicamente para entender o que ocorre na escalada e saber a hora exata de sair, evitando desistências prematuras. Para alcançarmos isso precisamos entender tecnicamente a montanha e também nosso corpo, além de claro ter gana, desejo de conquista.

Claro que a culpa por isso não é exclusivamente dos escaladores. No Brasil existe uma carência grande de cursos de especialização, geralmente encontramos cursos básicos porém não encontramos cursos de auto-resgate, entre outros. Acredito que no Estado de São Paulo somente o CAP (http://www.montanhismo.org/) ofereça um curso de auto-resgate, além dos já tradicionais curso básico de montanhismo e curso de escalada em gelo. Além disso outro curso importante é o curso de primeiros socorros em área remotas, que pode ser encontrado em uma série de locais.

Bom... espero que esse pequeno texto gere reflexão em alguém. Se 1% refletir já é uma vitória. O montanhismo brasileiro carece de uma maior maturidade na sua formação e para que a gente alcance um próximo nível, isso é passo obrigatório.

Grande abraço a todos!

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