sábado, 23 de janeiro de 2016

Escalando em Yosemite (Parte 2 - Escalando a Leaning Tower, West Face)

No cume da "Leaning Tower", com a bandeira do Clube Alpino Paulista e com o "El Captain" no fundo.


E aí, pessoal!

Bom, continuando então o relato de nossa viagem para Yosemite (veja o primeiro relato clicando aqui)...

No dia seguinte de nossa escalada da "Royal Arches" nós descansamos, se eu não me engano (rsrs) dois dias, nos quais desfrutamos um pouco do parque, conhecemos o funcionamento de tudo lá, fizemos algumas comprinhas e por fim nos preparamos para a nossa próxima via, que seria a "West Face", na "Leaning Tower".

Essa via é considerada uma via de "entrada" nos bigwalls por lá, tendo onze enfiadas e sendo feita na média em três dias de parede, sem necessidade de portaledge. Isso não significa que seja fácil, e nós sabíamos que teríamos que chegar firme nela.


A face oeste da Leaning Tower é considerada a parede mais negativa dos Estados Unidos, sendo que se você fizesse um rapel do topo e direção às árvores lá embaixo chegaria longe da parede muitas dezenas de metros. A via em si não é grande, tendo como já disse onze enfiadas, distribuídas em  pouco mais de 200 metros de parede, com uma graduaçao de 5.7 C2F, que traduzindo seria um 4º com A2, porém sem uso de marreta.

A via foi conquistada pela lenda Warren Harding, o mesmo que liderou a conquista do "The Nose"  e da "Dawn Wall" (esta última recentemente livrada por Tommy Caldwell e Kevin Jorgeson) e que teve com Royal Robbins uma longa disputa em Yosemite pelo protagonismo na escalada americana da década de 50 e 60.

Perfil geral da "Leaning Tower" e sua negatividade. Foto por Wellington Pereira.

Bom... voltando aos nossos preparativos, preparamos nossa comida, nossa água (levamos cerca de quatro litros por cabeça, por dia de escalada), nossos haulbags e com a ajuda do Wellington, que inicialmente iria entrar na via com a gente mas depois desistiu, fizemos a trilha de aproximação para a via. Uma trilha curta, mas um pouco confusa. Ela nos tomou cerca de 1h30 até a base da via, que tem um trecho final um pouco mais exposto, mas nada que assuste.

Inicialmente tínhamos planejado a escalada assim:

1º dia: aproximação, escalada de duas enfiadas, fixação das cordas e pernoite na base da via.
2º dia: ascensão das cordas fixas e escalada de mais quatro enfiadas, fixando as cordas e dormindo no plateau intermediário (a via tem um grande plateau um pouco abaixo do meio que permite a escalada sem portaledge).
3º dia: ascensão das duas enfiadas já fixadas e a escalada das cinco últimas, rapelando ao final.

Porém quando chegamos na base da via eu iniciei a escalada imediatamente e apesar de longas, as enfiadas não eram tecnicamente difíceis e assim pude "linkar" as enfiadas 1 e 2. Para nossa surpresa, quando terminei ainda tínhamos bastante tempo de luz e resolvemos tocar pra cima.

Enquanto o Fábio vinha limpando a via já fui içando o nosso haulbag e quando ele chegou já assumiu a dianteira das duas seguintes, também as "linkando" e chegando no plateau intermediário ("ahwahnee ledge"), que para a nossa surpresa ainda maior, ainda de dia.

Preparamos tudo e ao cair da noite já estávamos cozinhando e imaginando nossa noite de sono, perdidos naquela parede monumental e felizes por ter dormido já no primeiro dia no plateau e não na base como tínhamos inicialmente planejado.


Na foto, eu liderando a primeira enfiada. Foto por Wellington Pereira.

Ainda na primeira enfiada, cruzando o trecho de C2F usando os "cooperheads" já existentes.

Já no plateau onde iríamos dormir nossa primeira noite. A quinta enfiada segue à direita.

O visual oposto do plateau, se comparado com a foto anterior.

Já com as tralhas preparadas para a nossa primeira noite.

Hora da naninha.


No segundo dia, levantamos bem cedo, tomamos café e voltamos para os "negócios". Reassumi a guiada das duas enfiadas seguintes. A saída do plateau é em um C2 estranho e todo desengonçado, que segue numa linha diagonal para a direita, terminando em uma fenda reta e de fácil proteção.

Dali segue pelo único trecho de escalada em livre (um YDS 5.7 - equivalente ao nosso 4º) até a linha de proteções fixas que mostra o recomeço do artificial. Depois que finalizei a primeira enfiada do dia (5ª da via) o Fábio veio limpando tudo e quando chegou na parada reassumiu a segurança para que eu iniciasse a 6ª enfiada. Assim fizemos.

Na sequencia o Fábio assumiu a negociação e mandou a 7ª e 8ª enfiadas numa tacada só. Ele fez a 8ª tão rapidamente que cheguei a ficar em dúvida se ele tinha parado no lugar certo, mas era. Fixamos então as cordas e descemos para o plateau "ahwahnee", onde iríamos dormir nossa segunda noite. Mais uma vez estávamos adiantados, pois em nosso objetivo inicial no segundo dia iríamos escalar as duas abaixo do plateau "ahwahnee" e fixar somente as duas primeiras depois, e não quatro como fizemos.

Mais pela noite neste dia tivemos nossos primeiros amigos visitantes: uma dupla de escaladores americanos que estavam chegando no plateau para dormir, escalando a última enfiada já durante a noite e bem cansados. Conversamos um pouco com eles, passamos algumas poucas informações da via e logo já estávamos empacotados em nossos sacos de dormir.

Eu, guiando a estranha quinta enfiada da West Face (Leaning Tower).

Eu em destaque, guiando a estranha quinta enfiada da West Face (Leaning Tower).

O Fábio guiando a sétima enfiada da West Face, da Leaning Tower.

De volta ao plateau, para a nossa segunda noite na parede.


Tinha chegado o terceiro e último dia. O dia de ataque ao cume.

Assim como no dia anterior, levantamos bem cedo, tomamos café e saímos. Assim que saímos começaram a chegar mais escaladores. Neste caso um americano e dois ingleses, que estavam voando pela parede (iriam fazer a escalada em um único dia).

Enquanto eu e o Fábio ascendíamos as nossas cordas e já íamos para a 9ª enfiada o resto do pessoal ficava pelo plateau. A dupla de americanos que havia chegado no dia anterior tomavam café bem sossegados e o trio ainda terminava de chegar no plateau "ahwahnee".

Pensamos que o trio iria nos alcançar visto que estavam sem haulbag para trabalhar e eram realmente muito rápidos, porém só iríamos reencontrá-los no final do dia, já no estacionamento-base da "Leaning Tower".

Faltavam-nos três enfiadas: duas em artificial (9ª e 10ª) e uma em livre (11ª). Acertamos que para esse dia o Fábio iria assumir a 9ª (um C1F) e eu iria mandar as duas últimas. Combinado isso lá foi o Fábio começando os trabalhos do dia na ponta da corda. O Fábio guiou esta enfiada bem rapidamente, uma enfiada desgastante fisicamente por ser um teto meio estranho e igualmente desengonçado e depois de ascender e limpar assumi a dianteira do que seria a última enfiada "dura" (um C2F). Guiei a mesma e logo na sequencia o Fábio já veio limpando tudo, enquanto eu içava nosso haulbag. Nesse momento chega-se a um plateau bem amplo pela esquerda, uma espécie de antecume e a última enfiada é mais um trepa-pedra do que uma escalada em si.

Ali ficamos um bom tempo tirando fotos e curtindo o visual, de onde é possível ver o El Captain. Depois preparamos todo o nosso equipamento e haulbag para a descida e meio que escalamos a enfiada final em solo. No topo desta última enfiada virado para o outro lado da montanha é possível achar o ponto de rapel. Montamos o rapel com as duas cordas que tínhamos (fomos com um corda de escalada de 60m e 10,5mm e mais uma estática de 60m e 8mm) e iniciei a descida primeiro.

Eu, começando o terceiro dia.

Fábio, começando a 9ª enfiada, com a tralha toda.

Me preparando pra entrar na 10ª enfiada da West Face, Leaning Tower.

Hora de mandar ver!

Reparem na diferença de posição da corda verde e da corda branca. Essa diferença surge devido à negatividade da "Leaning Tower".

Quase lá!

No antecume. A rampa atrás é a 11ª enfiada.

Fábio, no antecume com a camiseta do seu grupo de escoteiros.

Nesta parte o rapel não é negativo, mas mesmo assim incomoda bastante descer com o haulbag nas costas. Como queríamos ganhar tempo foi assim que desci. Aqui provavelmente pulei o ponto de ancoragem seguinte e acabei fazendo a base do rapel da sequencia adaptando em um buraco de rocha meio frágil. O Fábio veio na sequencia e assumiu a descida seguinte. Ele terminou o rapel num plateau no topo de uma enorme canaleta que é por onde os rapéis continuam descendo. Descemos um pouco a pé e logo achamos a base para o terceiro rapel.

O Fábio tocou o terceiro rapel, eu toquei o quarto e ele tocou o quinto. Todos estes rapéis longos (com as duas cordas de 60m unidas) e alguns trechos de descida destrepando pedra. Por fim chegamos na florestinha que fica na base da "Leaning Tower" ainda de dia e fomos caminhando tranquilamente até o estacionamento, onde o Wellington já nos aguardava com o carro. Neste momento chegaram também o trio que havia feito a escalada em um único dia.

Minha impressão final foi a melhor possível. A todo momento a escalada esteve sob nosso controle, tanto tecnicamente quanto em questão de tempo e com isso saímos com a ideia constituída de que estávamos prontos para desafios maiores! Nosso objetivo seguinte: O El Captain.

Se tivesse que indicar uma primeira escalada em bigwall em Yosemite essa seria uma boa pedida e também um bom teste: Leaning Tower, West Face.

Ainda sobre essa escalada, tenho vários vídeos para postar, mas para isso preciso de uma banda de internet melhor que a que estou agora. Mais para a frente vou disponibilizar estes vídeos neste mesmo relato.

Até o próximo!!!



Fotos dos rapéis:

Começando o primeiro rapel da West Face, na Leaning Tower.

Segundo rapel.

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