Fala pessoal,
Bom, logo após minha última postagem, no dia 7 agora, encontrei um parceiro de escalada, um americano chamado Jason Schilen (acho que o segundo nome dele é esse), que após um primeiro contato e com uma janela de tempo bom aberta a partir do dia 9, resolvemos por tentar escalar a rota Fonrouge-Comesaña (5+, 6b/A1, graduacao francesa), na Agulha Guillaumet.
Iniciamos nossa aproximacao no dia 8 de marco, quando pegamos por volta das 10h00 um remis que nos deixou na ponte que dá acesso a trilha para a Piedra del Fraile. Sendo que após 5 horas de caminhada estávamos chegando em Piedras Negras para nosso bivaque.
A previsao dizia que 9 e 10 seriam dias com tempo bom para escalada. Melhora de pressao e tudo mais, e quando amanheceu no dia 9, o tempo aparentava estar razoavelmente bom. Levantamos por volta das 07h00 e quando eram por volta das 08h00 estávamos comecando nossa caminhada de aproximacao para o início da via.
Chegamos na base da via por volta das 10h00, no col que da vista aos glaciares marcantes que estao a oeste da Agulha Mermoz e do Fitz Roy.
No col ventava forte.
Após as preparacoes o Jason iniciou a guiada, ja que estava melhor fisicamente e aparentava ser mais forte de escalada. Guiou a primeira e segunda enfiadas, ambas graduadas em 5 grau frances, sendo que na sequencia entrei guiando uma enfiada e meia. O Jason entao tocou guiando outra enfiada e meia.
As enfiadas sao muito bonitas predominando a escalada em fissuras e fendas. Somente protecoes moveis e as paradas todas em antigos pitons ou moveis. Visual impagável.
A este momento o vento comecava a incomodar mas ainda sim rumávamos para cima. Chegando no crux da via, o Jason assumiu a guiada e em misto de escalada em livre e artificial mandou rapidamente. O crux é um conjunto de fissuras do lado direito de um grande bloco de pedra que segue inicialmente com protecoes moveis e depois passam a existir alguns pitons (uns 4 ou 5) até o topo deste bloco, onde existe uma parada tambem com antigos pitons. Fui na sequencia tirando o primeiro terco da enfiada em livre e o restante em A0. O crux deve estar entre 6sup brasileiro e 7a, mas fazer de mochila sempre joga a graduacao para cima. Enfim, logo estava guiando a bonita travessia para a esquerda, bem aérea e sem protecoes. Ao termino da travessia se sobe por uma fenda (onde tem um piton) até chegar na parada que sao mais dois antigos pitons.
O Jason veio limpando e na sequencia mandou a proxima enfiada, que segue inicialmente estranha e depois entra em um lindo diedro que segue a direita do filo por onde se desenvolve a rota. Entrei de segundo e logo estavamos a somente uma enfiada do filo que separa a face oeste da face leste. A esta altura o vento ja estava bastante forte, dificultando a escalada e comecavamos a vislumbrar que a previsao havia furado. Eram 15h00.
Toquei guiando o que faltava até o filo e quando chegamos onde termina a Rota Amy e Espolon Brenner o vento já queria nos arrastar e sem conseguir ver mais que 5 metros para cima, decidimos sair da montanha. Iniciamos os rapéis, sendo que o primeiro deles, com ventos cortantes, já foi muito ruim. O Jason montou o rapel em um cordelete azul que lá estava, e mesmo desconfiado, devido a celeridade para descer, topei montar o rapel nele.
Iniciamos o segundo rapel, ao mesmo estilo do primeiro, em cordeletes velhos que lá estavam, eu muito desconfiado. O Jason foi primeiro, e quando ele chegou montei o rapel e quando estava quase chegando na parada, despenquei. A corda correu no freio e cai, livremente, por volta de 6 metros, batendo inicialmente as costas na parede, virando e batendo as costelas e o cotovelo direito.
Ao certo, parei logo apos ter passado pelo Jason, uns 2 metros abaixo, encaixado no diedro pouca coisa da parada. Estasiado pela queda e tentando contabilizar os danos e do porque de estar vivo ja que o diedro era inclinado (inclinacao de 3/4 grau) e dele partiria para o infinito. Sentia muita dor nas costelas do lado esquerdo e muita dor no cotovelo que jorrava sangue. Abaixo, 600 metros de verticalidade.
Enquanto isso o vento nos cercava e comecava a chegar a neve que com a velocidade incrível do vento, quando batia no rosto parecia como pedregulhos. O Jason entao perguntou se estava bem, disse que sim, que poderiamos continuar a descer, o mais rapido possivel e que acreditava estar com algumas costelas quebradas.
Como estavamos descendo com uma só corda, devido ao vento teríamos que fazer o rapel-tensao da travessia. Ele montou o rapel e desceu e fui na sequencia. A esta hora estava preocupado com minhas maos já que nao havia conseguido até aquele momento colocar minhas luvas.
Pouco depois conseguir colocar as luvas e fomos descendo e descendo. Nove (9) rapéis até chegar ao col, atingido entre 22h00 e 23h00. Chegando lá, disse ao Jason, que insistia em praticamente nao reforcar os velhos cordins e fitas que estavam nos pitons, que eu havia abandonado 3 mosquetoes meus, 3 cordins e uma fita, reforcando sempre os rapéis logo que ele iniciava a descida.
Depois do col, vira-se para uma "subface" mais protegida do vento e com dois rapéis e alguns destrepa-pedra estávamos chegando para a descida por caminhada. Dali seguimos descendo por aquele monte de pedra amontada até atingir os neveiros. Caminhando eternamente, atingimos nosso bivaque quando eram por volta das 01h00, que estava destruido pela tempestade. O fly da minha barraca, estava arrancado, meu saco de dormir e isolante, molhados.
Jantamos e dormimos assim mesmo. Ontem, ao levantar desmontamos tudo e continuamos a descer pela trilha rumo a Chalten. Atestei o desaparecimento da minha camera fotografica, novinha. Mais 4 horas de caminhada. Conseguimos uma carona e quando eram por volta das 19h00 estava chegando no meu albergue. Dali fui para o Hospital, onde o médico atestou que eu nao estava com as costelas quebradas, somente uma forte concussao na regiao, diversas escoriacoes pelo corpo, incluindo uma forte concussao no cotovelo e uma queimadura de frio no dedao da mao direita.
Eu acreditava inicialmente que minha queda havia se dado por conta do rompimento dos velhos cordins que nos serviam como base do rapel. Mas posteriormente o Jason me disse que após ele terminar o rapel, havia desmanchado o nó que unia as pontas da corda e comecou a recupera-la quando parou por algum motivo. Foi neste instante que montei meu freio e back-up e iniciei a descida. Naquele tempo horrível eu nem percebi que ele havia recuperado uma parte da corda já que estava fazendo alguma outra coisa.
Logo após o início do meu rapel, ele disse que gritou pedindo que eu parasse mas que eu nao escutava. E com isso fui descendo. Quando a ponta menor chegou em mim e vazou do freio, despenquei. Creio que o fato de ainda estar com a outra ponta, desacelerou um pouco minha queda (pois a corda tem que correr inteira até o ponto de partida do rapel e com o atrito da rocha, desacelera pouca coisa) e que o fator sorte ou Deus me salvou. Ainda nao sei ao certo. Só sei que, como disse o Alberto, do meu albergue, dia 9 de marco é minha segunda data de nascimento agora. Quando caí, só consegui gritar "queda" e pensar: morri.
Mas agora já está tudo bem, a nao ser pela minha camera. As fotos desta escalada, tenho somente as da camera do Jason e assim que pegar coloco aqui neste post. Preciso me recuperar uns dias e assim que possível pretendo atacar a Aguja de la S. Ao Jason, excelente escalador, faltou um pouco de procedimento, pois até agora nao consegui entender o porque que ele estava querendo recuperar a corda. Queria rapelar sozinho naquelas condicoes? E se minha corda enrosca? Ele desce com a dele e eu morro na parede, ou a minha enrosca e ele desce dois rapéis e a dele enrosca também e morrem os dois na parede. Nestas condicoes creio os escaladores devem descer sempre juntos, tendo assim maior chance de sobrevivencia. Nossas cordas enroscaram durante o rapel tres vezes, eu tive que escalar uma vez para desenroscar e o Jason duas vezes. Tudo isso após minha queda no segundo rapel.
Enfim, é isso. As fotos, assim que pegar com o Jason coloco no post. Sobre a escalada, muito bonita. O clima é cruel e precisa ser pensado muito bem quando subir para as agulhas. Creio que na descida, com os ventos (que chuto entre 50-70 km/h) e a neve, tivemos uma sensacao térmica entre vinte-trinta graus negativos.
Atualizacao: Todas as fotos já colocadas foram tiradas pelo Jason.