quinta-feira, 13 de abril de 2017

Escalando em Yosemite (Parte 3 - Lurking Fear, El Captain)

12º enfiada. Deu um trabalhooooooo....

Falem aí, amigos!

Ufa! Chegamos no último relato da viagem para Yosemite, e agora a cereja do bolo... a escalada de uma das paredes mais místicas do montanhismo: o El Captain.

Para aqueles que estão chegando agora recomendo a leitura dos dois relatos anteriores sobre nossa viagem para Yosemite, pois assim poderão entender melhor esse relato. Acessem os relatos pelos seguintes links: Escalando em Yosemite (Parte 1) e Escalando em Yosemite (Parte 2).

Voltando à viagem...

Assim que terminamos a escalada da Leaning Tower fomos direto comer algo. Acho que foi uma bela pizza gigante de pepperoni com pimentão, regando à cerveja. Dali voltamos para o "camp4" onde dormimos e no dia seguinte não fizemos nada, somente descansando e curtindo.

Como já são passados algum bom tempo desde a viagem eu não me recordo corretamente quanto tempo ficamos descansando, o que me lembro é que eu estava com uma lesão em um dedo da mão direita e me lembro de combinar com o Fábio de pedir alguns dias pra ver se esta lesão melhorava.

Neste meio tempo o Fábio foi escalar a via Snake Dike, no Half Dome, com o Wellington Pereira e outros amigos enquanto eu ficava à toa.

Aproveitamos também para conhecer alguns locais de lá, estando entre eles a figura brazuca Nick Martinez, detentor de algumas das escaladas mais alucinantes dos últimos anos lá (repetições em solitário de vias A4), bem como outras lendas vivas. Aproveitamos para assistir a première do documentário Valley Uprising, estando presente na sala o Dean Potter (RIP) e sua cachorra Whisper. Foi muito legal. Até ajudamos a recolher lixo do parque.

Por fim chegava a hora de entrar na parede.

Não sabíamos ao certo que via iríamos entrar e estávamos indecisos entre a mítica "The Nose", a "Salathé Wall" e a "Lurking Fear". A primeira a riscarmos da lista foi o "The Nose". Isso porque a via é extremamente cheia de escaladores. Por fim riscamos a Salathé por sentirmos ainda precisar de  um desafio preparatório para ela. A "Lurking Fear" se comparada com as outras duas é a menor em extensão, tendo um pouco mais de 600 metros de via, enquanto que a "Salathé" e o "The Nose" tem próximos de 900 metros de via. A graduaçao seria um C2F 5.7.

Por outro lado a "Lurking Fear" não tem plateaus baixos ou intermediários e por isso e diferentemente das duas primeiras exige o uso de portaledge (nas outras geralmente se dorme nos plateaus). Além disso ela tem um artificial e um "hauling" mais duros que as outras duas vias.

Era a nossa chance de experimentar algo que até então só tínhamos visto por fotos: o tal do portaledge.

Fomos então até a loja de artigos de montanha do parque e compramos o bendito. O vendedor nos mostrou rapidamente como montar e desmontar e na sequencia fomos conversar com o Nick para pegar uns betas da via. Ele, muito gente boa explicou algumas coisas e nos motivou bastante e então começamos a preparar as coisas para a jornada.

A via é feita na média em quatro dias de parede (três noites) e nos preparamos para atrasar em até dois dias nossa jornada (considerando já para esses dias somente água, e não comida), levando então 4 litros de água por pessoa, por dia.

No dia seguinte seguimos para a via com a intenção de fazer o reconhecimento da trilha e já deixar na base nossos equipamentos. A trilha tem aproximadamente 1h30 de duração e segue para a face oeste do El Captain, passando também pela base do "The Nose". Ao chegarmos lá notamos algumas cordas fixas nas primeiras enfiadas e deduzimos que alguém provavelmente teria escalado e depois decidido descer.

Voltamos então para o nosso acampamento para dormir e no outro dia iniciar a aventura!!

Acordamos cedo, tomamos café a partimos em direção a parede, chegando na base da via em pouco mais de uma hora de trilha. Nos equipamos rapidamente e o Fábio começou a escalada. Combinamos de escalar dividindo a guiada em três e três enfiadas, ou seja, o Fábio guiaria três, depois eu outras três, e assim em diante até o final.

Logo depois que o Fábio começou a guiada chegaram dois americanos: os donos das cordas previamente fixadas e após breve conversa, nos contaram que haviam iniciado a escalada, porém tinham descido por conta do mal tempo.

Como eles estavam com as cordas fixas nos passaram rapidamente. As cordas deles estavam fixas nas duas primeiras enfiadas e enquanto o Fábio terminava a primeira enfiada eles já tinham fechado a primeira enfiada e iniciavam o içamento dos haul bags. Nesse momento e enquanto eu iniciava a ascensão, o haul bag deles enroscou logo no primeiro teto e com isso tiveram que descer. Terminei rapidamente a ascensão e como nosso haul bag não enroscou, rapidamente o Fábio iniciou a guiada da segunda enfiada. Neste momentos eles que também já tinham terminando o içamento e já tinham feito a ascensão da segunda enfiada e agora estavam no içamento da segunda enfiada. Mais uma vez o haulbag deles enroscou e enquanto eles resolviam o Fábio terminou, eu subi, içamos e neste ponto ultrapassamos nossos amigos locais iniciando a escalada da terceira enfiada primeiro.

A conclusão foi que terminamos a terceira enfiada antes dos americanos. Assim comecei a guiar a quarta enfiada, onde acabamos terminando já durante a noite e exaustos. Percebemos aí que a via nos cobraria muito mais do que a "Leaning Tower".

Montamos o portaledge já como zumbis, jantamos nossa comida liofilizada e CAMA!! Nossa primeira noite em portaledge. Pra nossa sorte o tempo ajudou, nos enfiamos nos sacos de dormir e com o cansaço que estávamos rapidinho já estamos babando!!

No dia seguinte iniciei a guiada da quinta enfiada. Uma enfiada tranquila. Fixei a corda para que o Fábio viesse e comecei o içamento do material. Logo estávamos entrando na sexta enfiada, também guiada por mim. Mais uma vez fizemos o içamento e então o Fábio reassumiu a guiada da sétima enfiada, que era uma linda e longa travessia para a direita da parede, finalizando com a guiada da oitava enfiada.

Remontamos o portaledge, mais uma vez já de noite, porém muito menos cansados que no dia anterior. Estávamos um pouco preocupados com nossa evolução, visto que havíamos subido oito enfiadas em dois dias e nessa média precisaríamos de mais três dias de parede pra resolver as onze enfiadas restantes.

No próximo dia (terceiro dia) o Fábio reassumiu a guiada em uma linda e aérea fenda, feita quase toda em livre por ele (nona enfiada), sendo que na sequência assumi a trabalheira. Foram três duras enfiadas em artificial, as mais trabalhosas de toda a via, sendo que precisei de quase todo o dia para fazê-las. Em especial a décima segunda enfiada, que é uma travessia para a esquerda com uma subida final feita em hooks e bolts e bem esticada, onde tomei algumas vacas até conseguir acertar o movimento. Tive também a oportunidade de usar pela primeira vez os cam hooks, tanto na décima, quanto que na décima primeira enfiadas. Foi show.

Por fim o Fábio reassumiu a guiada da 13º enfiada, um C1 de micronuts. Ao final chegamos em um local mais ou menos cômodo pra gente. Um plateau inclinado, mas que seria melhor que nada. Montamos o portaledge um pouco acima deste plateau e comemoramos por ter feito cinco enfiadas neste dia. Com isso faltavam seis pra cume, e neste momento a parede já dava sinais de ficar menos vertical.

No outro dia levantamos esperançosos com o fim da escalada e com a conquista do El Cap. O Fábio assumiu a guiada das duas primeiras enfiadas. Ao final da 14º pudemos chegar pela primeira vez em quatro dias num plateau onde pudíamos ficar em pé, sem estar pendurador pelo auto-seguro. Na 15º o Fábio foi bastante ágil, fazendo a enfiada rapidamente.

Reassumi então a ponta da corda para guiar as três seguintes, porém como faltavam quatro, decidimos que na última já iria emendar para ganhar tempo. A 16º enfiada era bem longa, porém quase toda em livre. Somente o final que acabei artificializando na saída de uma chaminé estranha e mal protegida (aliens, mal colocados). A 17º por outro lado era bem curta porém requeria o uso de elo menos duas peças de camalots #5, em back cleaning. Ao final desta enfiada chega-se no mega plateau "thanksgiving ledge", sendo que a 18º enfiada começa em outro ponto, sendo necessário caminhar um tanto para a direita.

Lá, já vislumbrando o quão perto estávamos do cume jogamos fora parte de nossa água para facilitar o içamento do trecho final, que sabíamos ser um positivo chato e continuei na guiada. Cheguei no final da 18º enfiada quase no entardecer e continue tocando pra cima, esticando totalmente a corda.

Sem encontrar uma parada para montar a estação fiz uma ancoragem totalmente em móvel e iniciei o içamento, sendo que como era muito positivo o Fábio veio acompanhando o haulbag para livrá-lo dos enroscos. Quando o Fábio chegou onde eu estava já estávamos a noite. Seguimos para a direita então, para um local chamado "mantel boulder", onde dormimos. Já estávamos fora da via e por nossa conta!

Ufa! Após quatro dias cheios de escalada havíamos concluído a escalada da "Lurking Fear", em um tempo que consideramos excelente, considerando nossa experiência em bigwalls.

No outro dia, saímos do mantel boulder e tocamos pro cume em solo, sem corda. O cenário era uma grande laje de rocha, com pouca inclinação e se não por um trecho curto que passamos que era mais inclinado, chegamos no cume sem maiores dificuldades.

Lá tiramos umas fotos e logo começamos a descida, que sabíamos que não seria fácil. Existem duas maneiras de descer: uma pela trilha, que toma em torno de seis horas. Outra é rapelando. Pra isso é preciso caminhar bem pra direita do El Cap e procurar a canaleta ondem estão fixadas as cordas de descida. Neste caminho encontramos um casal de ingleses que estavam na parede há oito dias, e juntos fomos descendo até encontrar o primeiro rapel. São rapéis longos e com um haulbag na costa não são nada gostosos.

Não me recordo de quantas horas precisamos para descer, mas foram algumas. Lá embaixo se chega em um bosque, onde é necessário caminhar um pouco para chegar na estrada.

Como nosso plano era voltar para San Francisco naquele dia, visto que nosso voo para o Brasil seria no dia seguinte, precisávamos achar o Wellington para zarpar. Logo encontramos ele, arrumamos tudo que precisávamos arrumar, tomamos uma ducha e pé na estrada!!! Iiihhhaaa!!! Tínhamos conquistado o El Cap e ainda nem tínhamos nos dado conta! Quatro dias de parede, três noites em portaledge e muita vivência e experiência acumulada!!

Chegamos em San Francisco pela noite, onde aproveitamos para acertar todo o equipamento. Saímos pra jantar em estado de alegria e no dia seguinte voltamos para o Brasil, com a sensação de vitória!!

O El Cap é uma montanha que pode ser escalada pela grande maioria dos escaladores tradicionais que se dediquem um pouco a escalada em artificial e que tenham garra para suportar o cansaço que a parede impõe. Recomendo a todos!! Um escalador deve visitar Yosemite ao menos uma vez na vida!! :)

Grande abraço a todos!!

Preparando os equipos, no camp4.

Mais equipos!!!

Alguns brinquedos!

Material preparado!

Eu guiando a 4º enfiada. Trechos de hooks e alguns bolts.

Eu, ainda na quarta enfiada.

Mandando a quinta ou sexta enfiada.

Fábio guiando a sétima enfiada. A primeira travessia.

Única foto do portaledge montado. Com muita exposição, no final do segundo dia.

Fábio guiando a 9º enfiada.

Eu, guiando a 10º enfiada.

Logo depois de iniciar a 11º enfiada. Um começo em "cam hooks".

Na segurança do Fábio, enquanto ele mandava a 13º enfiada.

Aeeee.

Foto do Fábio, desde o plateau que estava abaixo do portaledge. Ao final da 13º enfiada.

Rampa, do final da 13º enfiada. No despertar do nosso último dia na via.

Fábio na 14º ou 15º enfiada.

Eu guiando a 18º enfiada.

Batendo um rango em cima do Mantel Boulder. Ufa!! Depois de quatro dias pendurado de cadeirinha!

Fábio, no topo do El Cap.

Olha eu aí!! Com o Half Dome ao fundo.

Fábio descendo um dos rapéis da canaleta.

Mãos de escalador! Voltando pra San Francisco.

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